No primeiro dia de avaliação foi tudo bem. O garoto com Down fez tudo o que foi proposto: exercícios de coordenação motora fina e de preensão, coloriu, cortou papel com as mãos e uma porção de joguinhos, todos de modo muito rápido. E foi nesse mesmo dia que percebi o que postei na vez passada.
Só no último exercício de contornar cobrindo os tracinhos que ele resolveu deixá-lo deste jeito:
No segundo dia de avaliação, resolvi continuar com os mesmos tipos de exercício de coordenação motora fina porque ele havia mostrado muita dificuldades e para comprovar ou não as minhas observações. Mesmo antes de começarmos, enquanto arrumava tudo, eu punha alguns objeto em pé e ele derrubava.
Vocês já o conhecem. É o mesmo que usei com o garoto com Paralisia Cerebral em que deveria passar a bola de um pote para outro com uma das mãos e voltar com outra. Recoloquei os potes no seus devidos lugares por várias vezes e bastava me virar para pegar os outros ou a bola e ele tornava a derrubar. Ao mostrar-lhe a bola e como ele deveria fazer e ele parou. Entreguei a bola para ele e, em vez de colocar como havia lhe mostrado, começou a atirá-la sobre os objetos derrubando-os novamente. Por isso, já que não fazia o que lhe era pedido, abortei o exercício e fomos para o caderno.
A partir de então, tudo o que era proposto ele fazia e depois rabiscava.
E foi assim com o restante dos exercícios. Fazia alguma coisa se eu pegasse em sua mão. E assim que eu a soltava, rabiscava tudo. O mesmo aconteceu ao verificar seus conhecimentos em matemática. No primeiro exercício era para traçar o numeral 1 que estava pontilhado e no segundo, colar a quantidade.
exercício 1 exercício 2
Fiz o primeiro exercício segurando em sua mão, ele deveria fazer o restante. Eu esta sentada a seu lado, com o braço por trás dele e segurando em sua mão. Os primeiros saíram perfeitos mas os seguintes, mesmo com a mão a mão sobre a dele saíram irregulares. E uma dúvida surgiu: as lições feitas nos cadernos escolares estavam com traçados perfeitos. Talvez as professoras (atual e anteriores) agissem dessa maneira com ele. Perguntei sobre esse fato com a mãe e ela confirmou.
Outra coisa interessante foi o fato de que, enquanto traçávamos o numeral ele apoiou sua cabeça no meu peito e fechou os olhos, fato que comprovava a minha dúvida e que não direcionava o olhar para o que fazia. Só não rabiscou este porque virei o caderno rapidamente.
No segundo exercício, com o numeral já traçado onde ele deveria colar a quantidade. Mas enquanto esperava eu passar cola e dar para que ele as colasse, lá estava ele rabiscando o que já estava feito. Reparem que em nenhum momento ele rabiscou o que ele havia colado. Interessante, não é mesmo? Que significado teria isso? Ou o que estaria querendo expressar?
Com a letra A para verificar se aconhecia, foi a mesma coisa. No primeiro, comecei com a caixa de areia para traçar o A. Ele não queria colocar a mão dentro. Dei então uma bolinha de gude para que o fizesse, mas ele a jogou longe. Dei então um fuso e então, começou a jogar a areia para fora.
Voltamos então para o caderno. O traçado com pontilhado da letra já estava pronto e era só cobrir. E novamente encostou cabeça no meu peito. Fizemos o grande juntos, e os dois primeiros no pontilhado. E pedi que fizesse os demais sozinho.
No segundo ele pintou sozinho, e ao pedir que traçasse os outros A bem colorido com os gizes de cera, ele simplesmente rabiscou todos.
exercício 1 exercício 2
Para não ficar maçante, costumo intercalar exercícios de coordenação motora com exercícios de alfabetização (da língua ou de matemática com os de coordenação). e o exercício seguinte era o de contornar o desenho de uma locomotiva. Eram apenas linhas retas, nada difícil para quem sabe ligar figuras.
Assim que o viu o ouviu o que fora pedido,ele derrubou uma cadeira que estava ao seu lado. E ele rabiscou novamente. Peguei em sua mão novamente e tudo aconteceu novamente: a cabeça no meu peito, o olhar distante e sem direção, mão tão frouxa e abandonada que os traços saíram fora do risco. Peguei o giz azul e pintei a locomotiva para mostrar como deveria pintar. E ele coloriu o restante deste jeito.
Verificando os conhecimentos básicos ou prévios (como é conhecido nas escolas) identifico que não os conhece, portanto, não existem em seu vocabulário. Tanto que rabisca as duas alternativas, o que comprova as minhas observações anteriores.
Ofereço em seguida um quebra-cabeça com apoio visual. Peças soltas e uma folha com o traçado da forma. Ele coloca cada peça no lugar exato mas de cabeça para baixo. No momento da colagem, entrego a ele num jeito que não seja capaz de desvirar porque não percebe se ficou ou não de cabeça para baixo. Perceberam que este não foi rabiscado?
Finalizando por hoje, restava alguns minuto para terminar o atendimento. Foi então que resolvi pedir que fizesse algum desenho. E vejam o que ele fez:
Depois de muito pensar sobre o que observei chego a seguinte conclusão:
1- O fato de rabiscar indica resistência. Mas não é a mim (senão não encostaria sua cabeça no meu peito), mas aos exercícios. Não porque não goste de fazê-los, mas porque só passam isso na escola como verifiquei ao olhar seus cadernos e tarefas escolares. Ele as faz em folhas, com as palavras em pontilhados. E, talvez isto venha ocorrendo desde sua entrada na escola.
2- O fato de a professora (s) pegarem em sua mão sempre para realizar suas tarefas criou um hábito e tirando a chance de conquistar autonomia (fazer sozinho). Talvez no começo precisasse, mas à medida em que foi crescendo teria que perder esse hábito, mesmo com todas as dificuldades.
3- Se esta criança ainda NUNCA desenhou na vida e não foi estimulado a desenhar (mesmo que seja do seu jeito ou do jeito que consegue) como poderá escrever? Sabe-se que o desenho é a primeira forma de escrita (segundo Lowenfeld) desde os tempos mais primitivos e revivido no desenvolvimento de cada criança. Por isso, ainda se encontra na fase das garatujas desordenadas.
4- Quanto aos conhecimentos prévios ou básicos como poderia saber se ninguém os ensinou? Se não constam do seu vocabulário do dia a dia? Em casa, é mais fácil dizer grande ou pequeno (que é a única noção que conhece bem) do que ensinar as demais noções. Mas não os culpo. Talvez não tenham o conhecimento necessário. Mas e a escola? Por que não supriu esta falta?
5- Quanto a haver ficado alguns exercícios sem ser rabiscado mostra o seguinte: ele valoriza o que ele faz sozinho e sem ajuda. portanto, não posso agir com agem na escola. Como resolvi esta questão? A resposta fica para a próxima postagem.
Continua
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