sexta-feira, 11 de maio de 2018

O RETORNO DO DOWN

Lembram-se do garoto com Síndrome de Down que falei sobre ele há um tempo atrás? Após alguns meses de afastamento por conta do nascimento antes do previsto de uma irmãzinha, ele agora está de volta.  Voltou mais alegre, animado e falante (mais que antes). Só para esclarecer, esse garoto tem 10 anos de idade cronológica, cursa o 6º ano do Ensino Fundamental e usarei  "Gael",  como nome fictício, para me referir a ele e preservar sua identidade nas postagens.

As dificuldades de Gael são grandes. Não lê, não escrever por comprometimento na coordenação motora fina devido a hipotonia (flacidez muscular) comum nos Down, mas que nele está um pouco pior. Não gosta dos exercícios convencionais e, os novos, os derruba ou empurra para fora da mesa. Gael é uma criança voluntariosa e uma agitação constante, talvez o famoso "TDAH" (Transtorno de Atenção e Hiperatividade). 

Outra coisa que notei nesta volta e por estar mais comunicativo, foi a fala. Ainda é truncada, com omissões e trocas sonoras, fazendo com que fique incompreensível em alguns momentos. Um exemplo, ao trabalharmos a letra C, coloquei figuras de um coco, de uma cueca e de uma camisa e que nomeia da seguinte forma: "oco, ueca, e amisa". Como se pode perceber, Gael omite o "C" inicial das palavras. Quanto às trocas, embora seja perceptivo, ainda preciso observar um pouco  mais à medida que avançamos no estudo do alfabeto para concluir essas trocas. Porém, posso afirmar que ele não consegue pronunciar nem do seu jeito palavra maiores, embora mostre conhecimento de seu significado.

Um ponto importante, e que está deficiente, é o "olhar para o que faz ou para algo que é mostrado". Quando isto acontece, Gael desvia o olhar para qualquer outro lugar, menos para onde estamos chamamos sua atenção. Pode ser uma dificuldade ou que as professoras não tenham percebido ou não desenvolveram esta habilidade na escola.

Só sei que Gael é uma criança que está cansado das mesmices. Na escola, todos os anos começam com as revisões das vogais, das consoantes B, C, D, F e G (onde parou no ano passado) com exercícios de cobrir letras pontilhados. Letras que conhece e identifica isoladamente. No entanto, não consegue juntá-las em forma de sílabas. 

Reconhece algumas letras

O mesmo acontece com a numeração, mas ninguém percebe que não relaciona os símbolos numéricos com as quantidades que eles representam. Nem que não sabe contar, o que faz apenas com ajuda.
 

Reconhece os números, mas precisa de ajuda 
quanto as quantidades.

Os exercícios de coordenação motora fina convencionais (os de seguir linhas pontilhadas) não são atraentes para ele. Por isso enrola, enrola e não os faz sozinho até que se pegue na mão dele. Então, encosta a cabeça no meu peito, solta a mão ainda mais e fecha os olhos ou olha para qualquer outro lugar, menos para o que está sendo feito. Um exercício que faz bem e sozinho é o de ligar. Mas é só.  


 
Se faz bem feito estes exercícios, é com ajuda. Caso contrário, 
rabisca.

Foi então que decidi trabalhar com ele de uma forma bem diferente da escola. Já que não pode escrever sozinho, quem sabe se colando? E deu certo. Ele pega a cola sozinho e vai colando as letrinhas que faltam nas palavras que decidi trabalhar no atendimento.  Espalho as letrinhas na mesa e ele escolhe as vogais ou as consoantes que vão na palavra. E dessa  forma, faço a tal revisão e a avaliação do que ele conhece e identifica. 

Não se pode alfabetizar se a criança não conhece e não domina as noções básicas. E isto serve para qualquer criança com e sem deficiência intelectual. Ignorar isto, é perda de tempo.
Trabalho perceptivo e de reconhecimento das cores

E foi por aí que comecei meu trabalho com Gael. Com desenhos graciosos e figuras recortadas tenho trabalhado as noções de grande e pequeno, grosso e fino, comprido e curto, igual e diferente entre outras. E dando mais autonomia a ele, ou seja, deixando que faça tudo o que puder sozinho. Confesso que, no começo, foi difícil fazê-lo entender o que eu queria que ele fizesse.


Trabalhando a noção de grande e pequeno

Jogo de reconhecimento das letras iniciais 
do nome das figuras

Montagem de torre para avaliar sequenciamento

Por ter uma atenção e concentração muito curtas, precisam ser muitos exercícios curtos, variados e rápidos porque logo perde o interesse deles. Novidades é o que o move. Por isso, é preciso planejar e preparar muitos exercícios para cada atendimento e sobre os assuntos que estamos trabalhando.

Em cada atendimento testo também suas habilidades.


Brincamos de costurar, mas na verdade, é um 
exercício motor importante de observação e 
de atenção e concentração.

A montagem de um quebra-cabeça é, segundo a psicologia, 
um organizador da mente.Mas serve como um observador 
da forma das figuras, de detalhes importantes e 
essencial para tudo o que fazemos

Brincar livremente com dois objetos. No caso, 2 bois escolhidos 
por ele. Apesar de ser uma atividade lúdica, revela muitas coisas, 
principalmente, se sabe imaginar e contar histórias.

Gael ficou parado diante destes brinquedos. A princípio parecia não saber o que fazer com eles. Depois iniciou uma luta entre eles. Pouco depois, deixou ambos e se interessou por outra coisa. O resultado é que ele pode imaginar e contar uma história, mesmo que curta e sem emitir um único som. Tenho confiança de que, cedo ou tarde, tudo se ajeitará.


Até a próxima postagem.